Esta semana fui questionado por uma cliente em terapia sobre o porquê de nós seres humanos sermos tão falsos em nossas relações interpessoais. Muitos considerados até mesquinhos, egoístas e perversos, mesmo enquanto posam de caridosos, bem intencionados e absolutamente verdadeiros e queridinhos nos grupos dos quais fazem parte. Esse é um daqueles temas que não são muito apreciados quando surgem e acabam gerando desconversas e mudanças de rumo visando evitar aprofundamento, pois expõem um lado que quase todos não admitem, ou fingem não existir nas relações humanas: a desfaçatez, a teatralização, ou como costumo chamar: o comportamento artificial com fins específicos.
Segundo Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, uma das forças motrizes do ser humano em termos de movimento para ação, chama-se: princípio do prazer. Sem entrar nas definições clássicas ou acadêmicas para o termo, o ser humano busca em tudo que faz uma espécie de gozo representado essencialmente pela fuga da dor ou sofrimento e pela busca da satisfação de algo que ele entende como uma necessidade. Assim, em qualquer situação mesmo as mais corriqueiras da vida, qualquer um de nós instintivamente irá buscar o caminho mais fácil, mais divertido e que possibilitará menor esforço ou desgaste. Neste contexto, como vida em sociedade implica convivência mutua, e nessa convivência estão envolvidas trocas, fica mais fácil entender porque infelizmente muitos, desrespeitando a dificuldade do semelhante em assimilar, compreender ou identificar comportamentos artificiais, usam de estratégias comportamentais condenáveis, apesar de inocentes segundo eles próprios, para obterem aquilo que desejam de alguém, digamos, menos atento a detalhes.
Como mamíferos que essencialmente somos, desde muito pequenos somos treinados para a competição, para sermos os melhores entre todos, para nos destacarmos e vencermos sempre os demais membros do bando. Somos ensinados que perdedores são fracos e que se você não for o melhor você não será ninguém. Admiramos heróis, buscamos troféus, colecionamos medalhas, caçamos os holofotes, queremos estar entre os melhores, queremos ser reconhecidos como os “amigos do rei” e detentores de dinheiro, fama e sucesso (para muitos a qualquer custo). É preciso estar, causar, impressionar. Em algumas centenas de casos, isto se torna algo tão importante, que passam a viver em função de sustentar essa crença e tornam-se escravos de modelos muito convenientemente criados visando atingir e alimentar o ego desses seres. Nesse quesito, existem tanto os considerados tratores, aqueles que tem coragem de passar por cima de tudo e de todos para fazer valer suas vontades e desejos egoístas, quanto aqueles que camuflam as mesmas vontades e desejos, por baixo de camadas generosas de simpatia, comunicabilidade, amabilidade e capacidade de agregação absolutamente artificiais. Ou fingidas, segundo minha cliente. São admirados por suas evidentes qualidades e atributos, mas escondem os mesmos desejos narcisistas e egoístas, usando a todos de forma falsa e teatral para obterem o que desejam.
Afora os aspectos biológicos e sociais enquanto espécie elencados anteriormente, existem os temperamentos como marcadores de tendencias comportamentais. É preciso lembrar que todos nós temos temperamentos dominantes, e que cada temperamento traz consigo aspectos positivos e aspectos negativos, e que temos, portanto, determinadas inclinações muito presentes em cada um de nós. Dependendo da educação e dos exemplos recebidos no decorrer da fase inicial de vida, além obviamente, dos traumas que venham nos marcar igualmente nesta fase, por uma tendencia natural dado o temperamento, poderemos desenvolver determinados comportamentos e hábitos, que aos olhos de terceiros podem parecer estranhos e até inaceitáveis, mas que, por incrível que possa parecer, aos olhos da própria pessoa não passem de mera característica pessoal. Como eu mesmo já ouvi de muitos: “Eu sempre fui assim, qual o problema?”. Parece confuso?
Permita-me te dar um exemplo bem real: Para uma pessoa que cresceu em um local violento, onde mortes e assassinatos eram fatos corriqueiros, onde pessoas agrediam pessoas frequentemente, ser agressivo e violento nada mais é do que algo normal, afinal, só teve isto como exemplo, essa é a realidade com a qual sempre conviveu. Idem para aquelas que nunca conheceram carinho, para essas, um afago pode representar uma agressão, ou minimamente, uma invasão de espaço físico. Se algum dia você tiver a oportunidade de assistir a vídeos de depoimentos de presos e condenados pela justiça relatando seus feitos, poderá se chocar com a naturalidade com que falam das atrocidades que cometeram. Alguns até com um perturbador orgulho, que aos olhos de pessoas mais sensíveis beira o absurdo. Concordo é inaceitável, mas é preciso entender que o ser humano é o animal multicelular mais adaptável do mundo, ele se acostuma a tudo e pode incorporar qualquer habito ou comportamento à sua rotina, por mais estranho e reprovável que seja, e isto lhe parecerá algo absolutamente normal, até que ele seja impactado por uma realidade diferente daquela que conheça e esteja acostumado.
Ainda ilustrando, vamos a algumas características negativas que cada temperamento humano pode manifestar:
1) Pessoas Sanguíneas: medrosas, exageradas, egocêntrica, insegura, impulsiva, indisciplinada ou volúvel.
2) Pessoas Coléricas: astuciosas, insensíveis, auto suficientes, vaidosas, intolerantes, prepotentes, impacientes, sarcásticas ou iracunda (que se irrita com muita facilidade).
3) Pessoas Melancólicas: egoístas, amuadas, pessimistas, teóricas, confusas, anti-sociais ou vingativas.
4) Pessoas Fleumáticas: calculistas, indecisas, contemplativas, desconfiadas, pretenciosas, introvertidas, desmotivadas ou temerosas.
Todos nós temos um pouco de cada temperamento compondo nosso blend individual, logo, cada um é um, num ambiente tão sensível. Mas, todos nós também temos um temperamento dominante, portanto, algumas características sobressaem em nosso comportamento, e que neste contexto da análise, são as negativas. Mas é preciso lembrar que existem as características positivas de cada temperamento que de mesma forma nos compõem igualmente.
Se temos o bem e o mal dentro de nós, por que alguns são tão maus ao ponto de serem tão cruéis e perversos que chegam a cometer crimes e atrocidades indescritíveis?
Posso lhes dizer estudando a essência humana como há anos tenho feito que não existe uma resposta pronta, cada caso é um caso, e todos precisam ser analisados individualmente. A história de cada pessoa precisa ser avaliada em particular, pois todos tem experiências potencialmente negativas, prejudiciais ou traumáticas acumuladas, que associadas aos aspectos negativos de seu temperamento e outras tantas variáveis possíveis, como fragmentos de personalidade, aspectos psíquicos e ainda outros mais, podem apontar para tendências nessa ou naquela direção. É um assunto por demais vasto e complexo, e aqui sequer citamos as psicopatias, que estão intimamente ligadas a todo esse contexto negativo, algumas inclusive, sendo determinantes naquela análise individual a qual mencionei como necessária. Mais uma vez a título de ilustração, podemos citar algumas e seus grupos de estudo:
Grupo A: Esquizoides, Esquizotípicos e Paranoides.
Grupo B: Antissociais, Borderlines, Histriônicos e Narcisistas.
Grupo C: Dependentes, Evitativos e Obsessivos-compulsivos.
Com relação a menção inicial deste texto, o que chamo de “comportamento artificial com fins específicos” e que a minha cliente que trouxe o tema chama de “falsidade”, vale destacar como é bem mais complexo compreender e classificar comportamentos quando o olhar se aprofunda. Não é tão simples entender e classificar comportamentos, sem um conhecimento mínimo do histórico, temperamento, exemplos recebidos, traumas ou dores e tantas outras variáveis inerentes que possam fazer parte do caleidoscópio da vida daquela pessoa. Cada ser é resultado de um conjunto de influências, que em última análise vão contribuir para o resultado de suas características comportamentais e de personalidade de forma muito marcante, além claro, do temperamento como já citei.
Ter consciência de quem somos e de nossas habilidades, desafios ou limitações nos leva tanto a uma virtuosa compreensão de nós mesmos, quanto a uma facilidade maior na identificação e compreensão das limitações e desafios dos outros. Em termos conscienciais, pessoas são seres inacabados por natureza, estamos em constante construção, reforma ou aprimoramento. A vida está o tempo todo nos brindando com desafios e consequentes aprendizados decorrentes, e isto é o que vai nos forjando e fazendo de nós quem somos, mas é uma obra sem fim, ela não termina quando acaba, ela segue em diferentes planos e em diferentes níveis. Todos temos um pouco de tudo, ninguém consegue ser 100% verdadeiro o tempo todo, como igualmente ninguém consegue viver uma vida falsa ou comportar-se falsamente em 100% do tempo. Numa escola em que todos somos alunos e estamos o tempo todo aprendendo através da vivência de experiencias, se ao invés de apontadores das falhas alheias, fossemos ou nos comportássemos mais como parceiros destinados a compreensão e a ajuda mútua, todos sairiam ganhando muito mais do que perdendo. Sim, não é fácil, por isso é desafiador e a epopeia de uma vida para a maioria que não se trabalha de forma nenhuma, os que aprendem por tentativa e erro somente.
Para fechar, longe de representar uma lição de moral, que de forma alguma eu tenho autoridade para dar em ninguém, deixo uma dica. Algo que não foi escrito por mim, mas algo que apenas me atrevo a transcrever com minhas próprias palavras, uma compreensão necessária para quem se estuda e se trabalha:
Quem nutre sentimentos negativos ou que busca prejudicar ou tirar vantagem de outra pessoa, por mais inocente que queira parecer, se revela na verdade alguém absolutamente ignorante, por mais que em princípio queira demonstrar-se mais “esperto” que os outros. A vida irá cobrar, tanto pela ignorância como pelos prejuízos eventualmente causados aos outros, como sempre acontece com aqueles que mesmo sem saber o que é plantio, ainda assim, serão pagarão tributo por tudo que colherem. É como um antigo ditado popular muito oportuno:
”A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”.